Prazer

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São Paulo, SP, Brazil
Vinte anos, estudante de ciências sociais, atriz do grupo "Pequeno Teatro de Torneado", filha de uma carioca com um pernambucano.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Caverna



1. creio que você está atrasado.
2. creio que sim.
1. perdeu a hora?
2. durmi demais.
1. sente-se bem?
2. talvez, me perdi vindo para cá, ainda estou meio sonolento, mas esse lugar me assusta.
1. fique calmo, apenas fique bem acordado.
2. já acordei.
1. está com muito medo?
2. não, não sei. talvez um pouco.
1. disse que tinha medo do escuro.
2. eu tambem disse que tinha um relógio.
1. você realmente tem falado demais ultimamente.
2. talvez tenho falado as palavras erradas, ou tudo de forma errada.
1. talvez sim, mas você me parece mais linear do que semana passada.
2. e você, como sempre, caótico! ainda mais me trazendo aqui.
1. é, o caos e a linearidade, como faremos agora?
2. deixa isso pra lá. e você, tem certeza que quer entrar ai?
1. sim, quero te mostrar o som das coisas ai dentro. mas devo admitir que sinto um pouco de receio de te levar nessa floresta agora, a essa hora da noite.
2. receio de que?
1. de você!
2. de mim?
1. receio de te causar algo muito forte ai dentro comigo, sei la.
2. você me disse que eu iria gostar, eu confiei em voce. e vamos estar juntos não vamos nos separar, certo?
1. mas quanta confiança! fico feliz em estar mais calmo do que hoje de manha. você mesmo disser que era o caos em pessoa em matéria de ser humano.
2. sim, e o que isso tem a ve?
1. então quem tenque te levar junto de alguem sou eu, se não iremos nos perder ai para sempre. uma caverna é um lugar onde podemos nos perder facilmente. e você está mais aterrorizado do que eu.
2. quer dizer então que para você, provocamos o caos quando estamos com alguem?
1. claramente que sim, ou mesmo dentro de alguem ou dentro de algum lugar, principalemente quando o medo sobe a nossa cabeça.
2. pois é, esse caos que sinto no momento já é o suficiente para me derrubar.
1. sente-se derrubado?
2. sinto que vou cair.
1. fique calmo.
2. estamos chegado?
1. jajá. fique calmo.
2. só escuto sua voz, o canto de uma coruja, e as folhas secas sendo pisoteadas, e você me pede calma, como consegue?
1. escute minha calma, está tudo bem, eu já te disse. tente ficar calmo. estou sereno, tente ficar comigo nessa serenidade.
2. qual era o motivo mesmo de irmos para uma caverna a essa hora da noite? ver duendes, ou coisas do tipo?
1. já entrou em uma caverna?
2. não, e realmente nunca esteve nos meus planos.
1. ela é plana.
2. como assim?
1. sinceramente não compreendo o porque que o ser humano não vive em cavernas.
2. por favor, me explique.
1. não está nervoso?
2. explique logo, quem sabe você me acalma e me faz prestar atenção em você.
1. o escuro, o silêncio, a temperatura, tudo. Tudo é pleno, contínuo, nada acontece. E o que acontece ja é esperado. O caos é microscópico.
2. você é a própria caverna humana.
1. eu?
2. sim, uma verdadeira caverna que se transformou em homem, contínuo, pleno, onde nada acontece. onde nascem as suas estalactites e as suas estalagmites. 1. e o que seriam essas?
2. ainda não sei. estou te estudando, estudando o homem das cavernas que existe dentro dessa sua pessoa, seu ser caverna.
1. todos somos essas cavernas ambulantes, alguns fazem do seu micro algo extremamente macro.
2. o caos se torna imenso, é isso?
1. sim.
2. é, quando entrarmos lá, ele será imenso.
1. essa é a ideia, escutar a nós mesmos para nos arrumarmos por dentro. fique calmo, vai dá tudo certo.
2. a minha calma me assusta, me tras o caos.
1. e o que faremos entao com um ser que em sua calma encontra o caos?
2. não deveria se preocupar com isso.
1. por que nao?
2. porque isso é absurdamente meu, meu caos, minhas perdas, meus lineares, esse papo todo. não quero falar sobre mim, não consigo parar de pensar no escuro.
1. me perco contigo.
2. como assim?
1. fico contigo nessa.
2. sinceramente, apenas me acompanhe, não solte minha mão. mova seus lábios falando "está tudo bem".
1. está tudo bem.
2. eu disse mova seus lábios, e não solte sons.
1. por que você diz isso?
2. não quero te ouvir e confiar em você.
1. por que não?
2. por que tá escuro, como posso confiar no que não vejo meu deus?!
1. você disse que confiava em mim, vindo comigo para cá, já confia em mim.
2. eu disse que tinha um relógio tambem, disse que confiaria em pessoas mesmo sendo caótico, e você disse que ultimamente, eu tenho falado demais.
1. eu disse que confio em você, e me perco em você.
2. se perde em mim. siga reto que assim nunca se perderá. cade sua mão? não solta da minha mão!
1. calma, está aqui.
2. não solta seus dedos dos meus, por favor. o fosforo?
1. no meu bolso.
2. e o livro e as velas?
1. na minha mochila.
2. então vamos ascender logo isso.
1. calma, já estamos chegando.
2. não vejo nada!
1. confia em mim!
2. por que eu deveria?
1. porque venho aqui desde criança, conheco esse lugar de olhos fechados.
2. assim que me sinto, de olhos fechados. você conhece de olhos fechados e eu sinto pavor de olhos fechados.
1. eu e você estamos de mãos dadas, fique calmo, seu corpo tá continuando no meu.
2. como iremos nos isolar ai dentro se o meu corpo é o teu corpo?
1. eu te largo, te solto ai dentro.
2. não vá muito longe.
1. não se preocupe, o suficiente para você se escutar e o meu som se perder no silêncio.
2. será que conseguiremos isso?
1. você está comigo, já te disse.
2. e o meu medo não, o que vale isso então?
1. segura em mim.
2. não soltarei.
1. pronto, aqui estamos.
2. que horas são?
1. é, você assumiu.
2. o que?
1. que perdeu o seu relógio.
2. é, pois bem, estou mais do que perdido no tempo.

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