Prazer

Minha foto
São Paulo, SP, Brazil
Vinte anos, estudante de ciências sociais, atriz do grupo "Pequeno Teatro de Torneado", filha de uma carioca com um pernambucano.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Se desmembrar



"Nascemos com a postura de um membro extravasado de seu conforto, de sua casa. Este membro que, logo após sua saída, da um berro de desconforto pela sua primeira parcela de oxigênio que invade os seus pequeninos membros e, logo depois, chora pelo conforto perdido, pela falta de um mundo que nunca mais verá: a partir de agora será apenas externo, não existi a possibilidade da volta.
Uma dor agonizante nos invade, e para amenizar esta dor, alguém nos pega no colo e canta uma canção de ninar. E o toque é descoberto como toque, à lágrima é descoberta como o líquido amniótico, a mão é descoberta como mãozinha, e a mulher é descoberta como o externo daquilo que chamamos de casa. Com isso, pensamos: "eu fui feito aí, o meu sangue é o teu sangue e a minha pele é a tua pele", e vemos a nossa origem, a nossa raiz.
É uma relação de acordo, de relembrar o seu conforto perdido, o seu útero despedaçado agora se transforma em braços que te envolvem e te acolhem, são nove meses para uma vida sem garantia de tempo, e são necessários os braços para nos levantar, para nos ensinar, para nos aconchegar da perda.
Nós crescemos, anos se passam e o nosso corpo se expande, abrange lugares e nosso olhar e nossa mente abrange distâncias, conhecimento do externo desconhecido. E depois, descobrirmos que podemos gerar alguém, mas aí que começa a essência: passamos por um processo de perda.
Todo mês, a mulher perde uma parte de si, se renova para a preparação de sua criação. Durante anos, ela se prepara para o maior desmembramento de sua vida, a maior perda e o maior ganho. A junção de duas partes que se encaixam, gera o caminho mais híbrido da sua existência. A partir desta junção a mulher deverá amar e odiar, sorrir e chorar, sofrer e amar. Pois um ser humano necessita dos dois lados dispostos em sua formação, para se descobrir e descobrir o mundo em que ele foi posto.
E durante a preparação, nós descobrimos o que é amor, e a sua necessidade para a criação de outro alguém. E tudo se coloca na frente, tudo é transmitido com a mesma fórmula inicial, com a mesma origem. Você descobre que um "como foi seu dia?", ou "você está com frio?" ou mesmo um "machucou?" saíram do mesmo lugar. Que o seu útero se manifesta com palavras que não sabem se organizar direito, que se perdem de tão carregadas que são.
Depois de descobrirmos um "eu te amo", depois de noites, dias, tardes vivenciando este amor, depois do seu homem descansar dentro de você durante diversos momentos, depois de ser preenchida, completada, de ser renovada nos seus desejos e renovar os desejos de alguém, nasce outro alguém. O nascimento não é apenas a saída de sua casa, mas é o nascimento de uma idéia, da existência de um novo indivíduo em nossas vidas. O amor de um ser humano nunca foi tão grande e direcionado para algo tão minúsculo, tão microscópico. Meses se passam, e o tamanho do seu amor, cresce assim como o seu indivíduo dono do seu amor. A consumação do seu corpo se torna algo disponível para ele, pois ele é seu e você é dele, e uma troca mais justa não existe. Você vive para ele e ele só vive porque você está lá.
Nove, nove meses. Nove meses de novos movimentos dentro e fora de você, de novas células sendo criadas, novas partes mínimas demonstrando presentes, novas dores, e nove meses para se preparar para desmembrar aquilo que você ama, tira-lo de sua casa e dar-lhe uma nova casa.
E aí, quando nasce, você percebe que agora, você é o útero.
Para a mulher, se desmembrar, é mais do que um motivo de existência."
Escrevi esse texto faz um tempo.

É que hoje eu me encontrei refletindo, mais uma vez, ou pelo menos tentando compreender, o que é ser mãe. Na verdade, o que é essa questão do ciclo vital na vida das mulheres de uma mesma família. Cria-se dentro de você um novo ser, um esqueleto vai se formando dentro de você. Depois, esse esqueleto cresce, se desenvolve, e ai ele cria um novo esqueleto dentro dele. E você, que antes tinha esse criador dentro de você, agora é expectadora. E o que antes era a criação se forma criador.
Então analizo a importância desse movimento do ser humano, do interno para o externo.
Dessa criação de dentro para fora. De ser expectador e criador, o que é a troca humana de receber e dar. Daí compreendo onde essa troca reverbera no teatro, mas divagar sobre isso, deixaremos para a próxima.

Beatriz Barros

Nenhum comentário:

Postar um comentário