Prazer

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São Paulo, SP, Brazil
Vinte anos, estudante de ciências sociais, atriz do grupo "Pequeno Teatro de Torneado", filha de uma carioca com um pernambucano.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A Arte e o Ofício da guerra de bolinhas de papel

Terceiro colegial. Final de ano. Vestibular. Gabaritos. Uma seqüência de letras e números que definem a sua próxima fase vital. Passei, não passei. Qual cursinho é o melhor? O que você quer ser quando crescer?
Todos esses tipos de perguntas ficam reverberando na cabeça de alguém que tem dezessete anos. Acordamos as 6h00 da manhã. Colocamos o mesmo traje, e vamos nos encontrar no local onde estivemos durante 14 anos: a clássica, boa, e velha sala de aula. Sentamos-nos, um do lado do outro.
E então, vamos lá: primeira aula, segunda aula, terceira aula, intervalo. Quarta aula, quinta aula, sexta aula, final do dia.
Uma matéria em excesso aqui, outra que já está acabando ali, e vamos levando esse ritmo naturalmente, tornou-se natural para todos nós, esse processo de aprendizado nessa pulsação contínua.
Sentamos, e escutamos alguém falar, durante 50 minutos. E, no meio das palavras desse alguém nos olhou, e pensamos "mais uma semana para eu sair daqui".
E então, o Bruno pega uma bolinha de papel, amassa, e taca no Alfredo sem o professor ver. O Alfredo, obviamente, olha para trás, não entende o que está acontecendo, dar um sorriso imenso e diz "quem foi o filho da puta?".
Claramente que todos começam a rir. Olhamos-nos de novo, mas agora nos olhamos de verdade. Compreendemos a sensação do estar por vir o fim. Acabou, está acabando. E tudo o que vivemos até aqui, tudo, todas as provas, conselhos, pessoas que conhecemos, risadas, amigos, tudo isso, chegou a uma fase final.
Aquela bolinha de papel não foi uma simples tacada. Mas foi uma lembrança do que é a boa e velha brincadeira em uma sala de aula. Iniciou-se a guerra de bolinhas, entre todos da sala. Aquilo foi uma recordação final de tudo que vivemos. Chegamos a um nível em que tínhamos consciência de que aquela atitude era mais do que estúpida e infantil, e jogamos bolinhas de papel uns nos outros com total sabedoria da situação: quando que nós, agora, iríamos ter mais uma guerra de bolinhas de papel?
Sorrimos, o professor saiu da sala, e o André gritou "GUERRA DE PAPEL!" e começamos. Todos, unidos, com tal sintonia dos movimentos, tal diversão em conjunto. Por um momento, só por um, o braço levantado de um era o motivo de suspensão do outro. E por um momento, aquilo virou dança ao invés de guerra. Foi-se do ódio para o amor, do alivio da dor para a brincadeira, do fim para o começo, do início da maturidade para o extremo e o início de uma nova fase de maturação.
Talvez, mais do que uma colação de grau, mais do que uma festa de formatura, é ter uma guerra de bolinhas de papel. A ultima guerra desse grupo, desse conjunto, que ficou alguns anos juntos. Todos os dias, desde as 6h00 da manhã. Um do lado do outro, enfileirados e juntos, olhando sempre para frente. Escutando alguém dizer sobre a vida, e sobre as suas ciências.
Sinceramente, a minha escola me ensinou sobre as relações humanas antes de qualquer tipo de matéria. Relação aluno-professor e relação aluno-aluno. Talvez essa seja a matéria que o Liceu de Artes e Ofícios ensina com seriedade: como respeitar tanto alguém, não por obrigação, mas por admiração. Por estarem todos no mesmo barco, todos sendo seres humanos ali, se educando.

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