Prazer

Minha foto
São Paulo, SP, Brazil
Vinte anos, estudante de ciências sociais, atriz do grupo "Pequeno Teatro de Torneado", filha de uma carioca com um pernambucano.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Formar-se

Desde criança na hora de dormir, escovava os dentes sozinha e ia para o meu quarto. Sentava em minha cama e gritava "Mãe! Vem me cobrir?"
Ai depois de um tempo ela chegava, me cobria, beijava a minha testa e falava "Boa noite filinha, até amanhã".

Ontem, permanecendo nos meus dezoito anos de idade, me deparei com a mesma situação que ensaio ao longo dos anos. Escovei os dentes, fui ao meu quarto, sentei na beirada da cama e por alguns segundos perpetuei o silêncio que se instaurava em mim, e do pequeno espaço de moléculas calmas e frias, soprei de minha boca a quente doçura da frase: "Mãe! Vem me cobrir?"

Por um momento, estranhei a situação. Eu, Beatriz, uma vestibulanda de dezoito anos, que tem a possibilidade de ir morar sozinha ano que vem em uma república, sem a minha mãe, me virando absolutamente sem ninguém, gritei para ela vir me cobrir? Como assim Beatriz? Onde está a ética desse contrato que você fez com você mesma?

Minha mãe chegou, e fiquei olhando para ela com aquela cara de estranheza. Fizemos o mesmo ritual de sempre. Mas agora, eu já olhava de fora a situação perpétua em que havia me colocado, e analisava ela. Agora vejo que cresci. Agora é a hora que eu devo cobrir a minha mãe.

Em muitos momentos da minha vida, tenho sentido a percepção de hábitos que deveriam ser mudados para mim mesma.
Não quero ser enterrada, por exemplo. Depois do enterro do meu tio, não entendo a lógica de colocar alguém de baixo da terra. Empilhar milhões de corpos um em cima do outro para depois serem retirados, e depois outros corpos serem colocados lá. Não sou ninguém para estuprar a terra. Não sou ninguém para permanecer dentro dela, durante uma eternidade de decomposição de uma matéria. Prefiro ser cremada e virar partícula quente, partícula fria. Virar terra e mar. Virar corpo e podridão.

Forma-se quanto indivíduo é estar aberta a mudança.
Amadurecer não é no sentido de tornar-se maduro, prudente e refletido. Mas sim de se transformar em um ser experimentador. Ser um dia sim e outro dia não. Ser claro e ser escuro. Errar e acertar, e principalmente, deliciar-se com o ato de ser humano.

Com o ato de ser volúvel e híbrido.
Assim prefiro. E dessa forma, continuarei chamando minha mãe para me cobrir, mas adiciono mãe, hoje em dia prometo te cobrir mais vezes.

Um comentário:

  1. o dia em que eu parei de chamar minha mãe pra me cobrir me senti uma criança querendo algo maior pra si.até hoje não encontrei esse algo, ou eu que não estou querendo bem.enquanto vc puder, deixe q ela te cubra.

    ResponderExcluir