Prazer

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São Paulo, SP, Brazil
Vinte anos, estudante de ciências sociais, atriz do grupo "Pequeno Teatro de Torneado", filha de uma carioca com um pernambucano.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Manchas vermelhas

Senhora abre a porta e aponta para a cadeira. O senhor entra, senta na cadeira. A mulher fica de frente para ele.
Mulher - Então, você é o Seu Antônio?
Homem - Isso mesmo Senhora.
Mulher - Trabalha com isso a muito tempo?
Homem - Tempo necessário para a senhora não sair no prejuízo.
Mulher - Eu pago bem.
Homem - Já recebi essa informação, fui avisado que o serviço é trabalhoso, mas que a garantia do dinheiro é bom.
Mulher - Pedi para essa questão ser enfatizada.
Homem - Eu trouxe o que a senhora pediu, todos os martelos que eu tenho.
Mulher - Ótimo, com o tempo o senhor vai sabendo qual o melhor para utilizar, em cada caso.
(Silêncio)
Homem - Um detalhe apenas.
Mulher - Pois diga.
Homem - A senhora não especificou exatamente o que eu devo fazer, qual é mesmo o serviço?
Mulher - Preciso que alguém bata nessas paredes.
Homem - Oi?
Mulher - Bata nas paredes com os martelos.
Homem - A senhora gostaria de destruir essas paredes?
Mulher - Não, muito pelo contrário, quero que elas permaneçam onde estão.
Homem - Desculpe, a minha compreensão está péssima.
Mulher - Eu não sei se você percebeu, mas essa casa é antiga.
Homem - Sim, está velha.
Mulher - Caindo aos pedaços.
Homem - Compreendo.
Mulher - Eu já marquei exatamente os pontos em que o senhor deve bater, apenas necessita vir aqui, três vezes por dia. Bater umas dez vezes em cada ponto vermelho que está pintado na parede, eu só preciso te ensinar a força que o senhor deve colocar sobre o martelo. Porém, posterior a algum tempo e a quantidade de vezes que o senhor fazer este movimento.. já vai pegar o jeito e..
Homem - Não posso aceitar.
Mulher - E qual seria o motivo?
Homem - Minha senhora, construa uma casa nova.
Mulher - O senhor não compreende.
Homem - Para que eu iria martelar nessas paredes?
Mulher - Você seria uma espécie de pilar ambulante. Sempre quando a parede andar para baixo, ser empurrada devido a força da gravidade, você empurra ela para o seu lugar anterior, para seus tijolos se consolarem em ficar uns em cima dos outros. E ela, em vez de cair, se contentaria em voltar para a sua origem, para o lugar onde foi criada, o lugar onde foi colocada. E você, faria essa conformação para a volta de sua origem, de forma cotidiana, dia após dia, martelando na parede, compreende?
Homem - Não, e sinceramente senhora não vejo o porque de não construir uma casa nova.
Mulher - Nada justifica o fato de o senhor não aceitar essa oferta.
Homem - Pra que perder tanto tempo fazendo isso?
Mulher - Três vezes por dia, trinta marteladas, é só o que eu peço.
Homem - Não tem justificativa.
Mulher - EU pago bem.
Homem - A questão não é o dinheiro!
Mulher - E qual a questão então?
Homem - Já estou velho. Meus braços estão cansados, não posso salvar algo que está caindo.
Mulher - E qual a sua meta? Colocar tijolos, um em cima do outro? Construir algo do marco zero? Estou lhe dando a oportunidade de começar algo já acabado, terminado, em seu suposto fim, e qual é o medo?
Homem - De não salvar. Da parede cair em mim. Da senhora morrer enquanto eu martelo. De não escolher o martelo certo, de não colocar a força certa.
Mulher - De se arriscar.
(Silêncio)
Homem - Prometo tentar agora, porém,a única coisa que eu garanto, é que se eu faltar algum dia, é porque não venho mais, nunca mais.
Mulher - Pra mim, isso já basta. Fica a vontade, você está em casa.
Homem - Obrigado.
Mulher - Quer um café?
Homem - Não, onde eu bato mesmo?
Mulher - Nos círculos vermelhos.
O homem da a primeira martelada na parede, a casa cai.

Um comentário:

  1. De infinito entendimento...

    Estou tentando entender para sempre...

    Nossa Barros, incrível!

    Sou seu fã!

    William Costa Lima

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