Prazer

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São Paulo, SP, Brazil
Vinte anos, estudante de ciências sociais, atriz do grupo "Pequeno Teatro de Torneado", filha de uma carioca com um pernambucano.

domingo, 28 de novembro de 2010

um novo filme

Era um casal.
Ela atriz, e ele, músico.

Moravam no mesmo apartamento já se passava alguns anos.
Um apartamento sem paredes, onde todos os cômodos estavam misturados pelos móveis e pelos tacos de madeira que se instalaram no chão.
As paredes eram brancas. As janelas eram grandes. As cortinas eram brancas. Os armários de tons marrons. O colorido pertencia a alguns quadros, aos textos de teatro que eram cantados pela voz suave-baixa dela e as notas sussurradas cuja origem os vizinhos nunca distinguiam.

Um violão, um piano, um clarinete, um violoncelo. Eram esses os sujeitos homens que mais gritavam naquela casa. O Cello reclamava sobre o sol ardente que entrava sobre a sala. O Piano falava que o seu sol era desafinado de propósito, afinal a sua música estava mais para experimental do que para clássica ou modificadora mundial. O Violão e o Clarinete, juntamente com o pandeiro, divertiam-se com a discussão clássica do senhor Cello e do senhor Piano, pois não perdiam tempo sem tocar um sambinha digno de bossa nova - roqueinrôu. E lá permanecia a gritaria ritmada, naquela casa iluminada cheia de berros e com um maestro, dono daquele grandioso mundo.

Porém, paralelamente a tantos gritos ensurdecidos vazados daquele apartamento que gerava na vizinhança uma apreciação fora do normal à vida alheia, a voz da mulher dona da casa permaneceu baixinha. E do baixo em baixo, superada pelos gritos compassados, a mulher foi fechando-se dentro de si própria.

Passou-se um tempo. Dois tempos. Três, quatro, dez, vinte. E os dias se passaram como se o passar fosse normal e habitual a espécie humana, como se aceitar a morte fosse aceitável demais para se festejar a perda da vida. Ela, um dia chamou o homem para conversar.

O senhor Cello respondeu por ele: “desculpe minha bela senhorita, mas o seu homem encontra-se um tanto atarefado no meio de suas escalas e compassos”. O Clarinete e o Violão colocaram-se a cantar, ignorando a pobre bela moça que se instaurou na própria sala em sua cadeira de balanço esperando o seu homem retornar.

Mas não, o seu homem não retornou. Continuou a festejar a sua valsinha talentosa musical com os seus amigos. E sem entender o que o seu homem e os seus amigos conversavam, sem entender uma palavra daquela polifonia em latim ou em qualquer língua já extinta, a moça retirou-se.
Não somente se retirou como tornou o presente de seus armários e de suas gavetas ausentes. Enquanto o homem cantava e calava o seu silêncio das palavras, a mulher embutia em sua casa a sua ausência, e levava consigo aquilo que apenas lhe pertencia, deixando tudo o que o que possuía do homem espalhados e fechados em sua casa, que agora já não aceitava mais como sua casa.

Depois disso o relógio correu. O branco da casa saiu para passear. As palavras não estavam mais lá. E assim, os homens que antes discutiam sobre futebol da clave sol e sobre as mulheres na clave de fá, reuniram-se novamente em um homem só que percebeu que a sua mulher não estava mais lá.

O homem ligou para a sua mulher. A mulher voltou. O homem então, colocou para tocar em seu tocador de CDs, a música que ele havia criado todo esse tempo, a música para a sua mulher.

Começa a cantarolar um som de passos sobre tacos de madeira, os passos que ela dava quando estava chateada-irritada com o seu homem. Mutuamente, de forma leve, uma voz suave e leve entrava declamando um texto da peça “gota d’água”, era o ultimo texto que ela estava decorando para a sua peça que estrearia no próximo mês. Junto ao ritmo e a voz, surgiu ainda um cantarolar, de uma valsinha do Vinícius de Moraes, uma valsinha que ela sempre cantava enquanto cozinhava.
Os sons dela, as vozes dela, os ritmos do corpo dela se movimentando pela casa, os toques dela sobre o corpo dele. Tudo isso o seu homem gravou e trabalhou em cima disso para criar a sua nova música, para mostrar o seu amor.
Foi-se assim, a junção de mais um casal de artistas que usufruem do seu amor para amar(te).

3 comentários:

  1. Eu gostaria de escrever com alguma porcentagem da qualidade que tu escreves...e eu nem ao menos pude ter a oportunidade de trocar alguma ideia ou uma cerveja contigo! Muito bom o texto, realmente.

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  2. o seu mundo todo encantado é tão lindo.amo!

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  3. haha
    classico e reconfortante
    belo bizzi

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